À sombra de um jacarandá
Vejo um banquinho rosa e de mansinho
Vou sentar-me nele a pensar na história que sou
Na minha frente passam fotos
Polaroid a sépia, preto e branco e a cores
A recordar o meu caminho e aonde vou
Revejo a carta que escrevi e o gajo que não respondeu
Vejo o cachimbo do avô, de fato escuro e de chapéu
E o chapéu de chuva preso na boca de incêndio aberta
Mais os poemas que escrevi como presente à Dona Berta
E a avó de bata e avental a cuidar do jardim e das figueiras
Que trepavam com a mana já no fim do verão
E na lagoa a cabana no pinheiro manso
Onde aquecia o café roubado com os primos à Ti São
E o postal que recebi de Londres só a dizer sim
Mais o livrinho do Antoine que guardo hoje só p'ra mim
As personagens de Lisboa, estranhas como manda a lei
Desconhecidas, conhecidas, do outro lado o Cristo Rei
Pergunto aos meus botões como será ser velho, enrugado?
Toda a vida presa às costas, lá atrás a ganhar pó
Penso nos netos que vou ter
Se vão gostar do avô ir ao cinema juntos
Ver a Disney e no medo de estar só
Na encarnação insustentável, a leveza do meu ser
Vidas passadas, karma bom e mau, no momento de morrer
Regresso a mim, olho pra cima, jacarandá alto e sereno
Fecho os meus olhos p'ra sentir o entardecer quente e ameno