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Sem Final Feliz

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Letras
10 de agosto de 1989

Uma e meia da tarde, ouvi um rugido no hospital

Com 3 quilo e 800 grama agarrado na sua mama

Uau, nasceu um leão

Demais pra esse orbital

Roupa estendida no varal, sem grana pra enxoval

Assistência ou pré-natal

Trabalhou nove meses de barriga, descia a pé o beco da mina

Traz de doação na pastoral

Entre a morte e a vida, o bem e o mal

Os anjos deram aval

Seja bem-vindo ao inferno astral

Num quarto a vácuo minha mãe quase morreu no quarto

Algo tá dando errado, médico preocupado

Qualquer erro é fatal

Predestinado a vingar onde é trágico o final

Quase todos são igual, nada mais especial

Filho do ex-presidiário? Normal

Era um m***a dentro de casa e respeitado no bairro, letal

Virou chefe da cocaína, deixava o morro sem briga

Ninguém roubava mais na bica e se tu agarrasse uma mina

Era certo o funeral

Ficava de exemplo pra não fazer igual

Isso é baseado em fato real

Tenho que primeiro falar da raiz

Não dá pra contar história de trás pra frente

Eu sei que na vida nem tudo são flores

Mas tudo nela sempre foi semente

Imagina tu olhar uma menina inocente

Levar o rapaz pra namorar em casa

E o pai racista dizer chei de ódio

Que não aceita um preto no sofá da sala

Jogou suas roupa toda na fogueira

Deu gargalhada enquanto queimava

Foi na sua gaveta, sacou uma arma

Correu atrás da moça com ela engatilhada

Novinha, sozinha e desesperada

Tinha sido acolhida na casa de uma amiga

Que morava junto com um desgraçado

Que abusou dela pela madrugada

Aos 14 ano ela tava grávida

15 de idade já tava casada

E esse filha da puta pra encontrar a amante

Deixou a garota dois dia trancada

Terceiro filho ela já tá cansada

Ser maltratada por coisa sem nexo, ó

Por quê que pra eu sair de casa

Eu sou obrigado a ter que fazer sexo?

Solteira, sustenta suas cria

Limpando privada em casa de família

O pai nunca deu pensão alimentícia

E nem das criança ele perguntava

O tempo passou, se viu apaixonada

Sem perceber, de novo ajuntada

Repetia a sina de quando menina

Que só atraía quem não vale nada

Águas passadas que deixaram marcas

Vida é uma fita que não rebobina

Se eu te contar, tu diz que é mentira

Parece até que essa história é minha

Esse filme foi eu mermo que atuei (que atuei)

Essa cena eu mermo que dirigi (dirigi)

O cartaz foi eu mermo que colei

Sem final feliz, sem final feliz (final feliz)

O cenário foi eu mermo que montei (que montei)

Quando abaixou a cortina, eu sofri (eu sofri)

É que Deus só me deu papel em branco (em branco)

E o roteiro foi eu mermo que escrevi

Vários esculacho eu vi desde novo

Meus irmãos sofreram na mão de um padrasto

Comendo calado seu arroz com ovo

Meu pai com um bife do tamanho do prato

Falei pra minhas tia que eu não entendia

Por quê que eu era privilegiado

Hoje nós só vamo parar pra almoçar

Quando dividir por igual os pedaço

Fomo convidado pra um aniversário

Só que meus irmão não tinha um calçado

Ficaram em casa chorando trancado

Pediu pra eu só não esquecer do salgado

Odiava usar roupa da doação

Mas pra ir nessa festa vai ser necessário

Prometi levar bolo pros meus irmão

Porque nós já tava sem nada no armário

No fundo do poço é só sangue no olho

Queria ter as coisa igual os outros garoto

Vi meu barraquinho que era de madeira

Minha mãe levantar tijolo por tijolo

Se tu reclamar de lavar essa louça

Vai entrar na porrada e ainda ouvindo o esporro

A panela tá suja, tem que agradecer

Porque hoje nós tinha o que comer no almoço

Nem pensava em tráfico, andava no morro

Junto com meus primo tacando o terror

Nós batia bafo, nós batia tazo

Nenhum de nós batia em professor

Sem celular e sem computador

Entupido de salgadinho de isopor

Da infância descalço no campin de terra

Num piscar de olho já tudo mudou

Tava no estúdio, meu telefone tocou

Fica atento que a carga vai chegar em cinco hora

Bate um fio do matuto que já até me confirmou

O Uber tá saindo do RJ em meia hora

O menor vai te esperar ali na saída da creche

Só não esquece de levar nosso material de endola

Os morador sempre te vê ali buscando sua filha

Dá o dinheiro, pega os quilo, entra no carro e vai embora

Conselho de mãe é coisa que não se ignora

Desculpa o seu filho dar desgosto pra senhora

Entraram na minha mente, muito dinheiro na frente

Moto nova, eu de marola, na garupa uma gostosa

Na terceira série tu abandonou a escola

Meu avô te obrigava a ter que ralar em obra

Com um exemplo de mulher guerreira desse dentro de casa

Ainda fui pra madrugada de cromada vender droga

4:40 entrei dentro do Corolla

380, não saí sem minha pistola

Eu que sempre paro o carro na porta da creche

Hoje decidi parar na vaga da birosca

Vi um cara careca de camisa social

Volume na cintura, usando pochete e bota

O menor tá assustado, parece me dar um sinal

Pelo gesto que ele fez, acho melhor eu sair fora

Entrei dentro da creche, peguei minha filha no colo

Quando eu olhei pra trás, o polícia tava na porta

Subi a escada correndo, lembro de ouvir um barulho

Quando eu fui pular o muro, senti o impacto nas costas

O que eu vou fazer agora?

Só lembro de cair abraçado com a minha filha

Acordar algemado na sala de cirurgia

Meio tonto, deve ser anestesia

Doutor disse que eu nunca mais vou andar

Nesse momento, o verme do lado ria

Tinha uma bala na minha coluna lombar

Numa troca de tiro com a polícia

Se eu não tivesse desligado o celular

E não ficasse no estúdio aquele dia

O filme se repetia

E o final dessa história poderia ser a minha